Crônica A Cavalgada

                                                              "A cavalgada"

      Você já esteve numa cavalgada ?
      Ainda comum em cidades do interior, é praticamente inexistente  nos centros urbanos.
      Por isso,a  maioria das pessoas nunca esteve em uma . Quando muito, conhece o significado um tanto óbvio fornecido pelo dicionário : um grupo de pessoas a cavalo.
     A definição está longe de corresponder a realidade .
     Na aparente balbúrdia do evento existe harmonia e até mesmo uma  hierarquia  suttil.
     Não me refiro ao líder -ou ponteiro-, que guia o grupo pelos caminhos e abre cancelas. Tampouco falo do equitador da retaguarda, que cuida para ninguém se desgarrar do grupo e tem a função de fechar as porteiras após a passagem do grupo .
     Nem menciono as trilhas ecológicas a percorrer, belíssimas,nem sobre origem dos eventos,como as Cavalgadas religiosas-a procissão equestre-, ou mesmo Cavalgadas de datas comemorativas e  apenas de puro lazer.
    Falo do início do festejo .
    A concentração.
    Voltava de uma banal ida ao mercado, sacolas em cada mão quando, na parte reta de acesso a minha rua, por uma ladeira íngreme, me vi em meio a tratadores, cavalos, amazonas e cavaleiros e,é claro, o público,que se acotovelava ignorando os riscos de levar um coice dos potros ou dos cavalos mais ariscos, cujos donos insistem em levar para a festa. Alguns ainda se precaveram, é verdade, colocando antolhos na cabeçada dos animais . Mas os medo os faz corcovear, mesmo assim.
     Há cavalos fantasiados com esmero, vestindo  máscaras e mantas de personagens da animação e até mesmo com bandeiras de times de futebol .
     A Cavalgada da República transpira ares democráticos, onde a sociedade interionana  se reúne em peso para ver... e ser visto. Decido ficar um pouco mais. O sorvete chegará derretido,eu sei. Mas não perderei isso por nada.
     Próximo ao palanque , lá onde ficam os animadores e as caixas de som convocando os cavaleiros participantes e o público em geral , desfilam os mais vaidosos cavaleiros e amazonas,  deixando alguns reais na barraca oficial do evento  onde compram  chicotes , selas , canecas e camisas com o símbolo da caminhada, enquanto aguardam que o berrante anuncie o início do evento  .
    Com sorte, no lugar das caixas de som do trailer oficial  -  semelhantes a trio elétricos carnavalescos-, essa festa será animada por cantores sertanejos à carater, usando chapéu de feltro, jeans colado , camisa de tecido xadrez , esporas que tilintam ao andar e botas que custam algumas centenas de reais..
    O forró universitário, a musica sertaneja  e  de Sofrência se alternam, numa mistura de acordes, risadas,brindes, relinchos e escavar de ferraduras impacientes sobre a terra batida.
    O ambiente,a essa altura, já está impregnado com a mistura de suor, perfume caro e esterco .
    Os donos da festa exibem arreios variados de acordo com as posses e prestígio de seus tutores.
    Os primeiros a partir usarão bridão delicado sobre a boca sensível  e crinas trançadas. Alguns deles com apenas quatro anos ainda, são ainda potros rebeldes recém domados e participam pela primeira  vez da maratona equestre.
    Os que virão logo atrás usarão freios cortantes sobre a língua e arreios simples,mas foram banhados e escovados para a festa.
     E por fim as charretes e cabriolés trazendo famílias inteiras e vários pais orgulhosos dividindo a sela com pequenos cavaleiros.
     Até os oito anos, os pequenos ginetes serão iniciados na arte da montaria ,  montando pelo lado esquerdo da sela, aprendendo a se manter firmes sobre a sela,  marchando, trotando,e até arriscando pequenos galopes.Ao fim da jornada, descerão também pelo lado esquerdo com perninhas arqueadas e bumbum dolorido,até acostumar.Quase todos já andam sozinhos nas fazendas de origem,mas percorrer seis horas de trilha é lição para fortes de espírito e de vontade domada. Só após essa idade poderão montar sozinhos, desde que os responsáveis estejam entre os cavaleiros.
     Por último, num meio galope, chegam os Poneis puxando pequeninas carroças, animais robustos a carregar sem esforço homens com o dobro de sua altura.
    Um pouco afastado,graças a um resto de sanidade, um homem segura a rédea com apenas uma das mãos enquanto com a outra entorna o conteúdo de uma lata de cerveja goela abaixo  . A música de sofrencia fez estrago no juízo e no coração do peão.
    O cavalo gira sobre as patas,rodeia,mas o peão se mantém sobre a sela,para espanto dos que observam a cena.
    .Logo mais será obrigado a retornar ao ponto de início, isso se não for expulso e ainda pagará pelo gasto com o transporte..
    Dizem que a cavalgada começa com o avante do poteiro,marchando com garbo, seguido pelo festivo grupo.
   Mas é ali, no Compasso de Espera, no aguardar do grito do berrante, onde tudo de fato acontece.
   E enquanto ele  não anuciar a partida, é aqui que vou ficar.

                                                                                   Michelle Louise Paranhos-21/11/18.





Comentários

  1. Oi, Michelle.

    Gostei da sua escrita. Parabéns!
    Beijos,
    www.psamoleitura.com

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  2. Olá Michelle, tudo bem?
    Que texto incrível, bem escrito e explicativo. Adorei. Parabéns.
    Bjs

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